Em 10 dias de aplicação, a Lei Nº 13. 869, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, ainda não alterou o trabalho dos servidores públicos do Ceará. A nova legislação revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, para especificar os crimes de abuso de autoridade, com penas de seis meses a quatro anos de prisão.
A nova lei é válida para servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; membros do Poder Legislativo; do Poder Executivo; do Poder Judiciário; do Ministério Público; e de tribunais ou conselhos de contas, seja ligado à União, aos estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou Territórios. A Lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 5 de setembro de 2019 e começou a valer no dia 3 de janeiro deste ano.
Dentre os crimes previstos pela Lei, estão "constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública" (artigo 13); "invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei" (art. 22); e "divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado" (art. 28).
O presidente da Comissão de Estudos e Acompanhamento da Reforma do Código Penal da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), advogado Matheus Braga, avalia a Lei nº 13. 869 como positiva e lembra que a lei anterior era da época da Ditadura Militar, "então era uma lei feita para não servir". "Todo estado democrático de direito condena abuso de autoridade", afirma.
Segundo Braga, "aquele agente público que atua dentro da lei não precisa ter medo de nada. Porque, para ser punido por crime de abuso de autoridade, tem que ter a intenção de prejudicar e de constranger a pessoa ou fazer para satisfazer a si próprio".
Outro ponto destacado pelo advogado é que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. Ele exemplifica que um promotor de Justiça, que denuncia uma pessoa por um crime, mesmo que não termine em condenação, não deve ser responsabilizado por abuso de autoridade - a não ser que seja provado que o servidor público queria prejudicar a outra pessoa.
Mudanças
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) rejeitou conceder entrevista sobre o assunto. Em nota, a Pasta garantiu que "as divulgações oficiais já atendem às disposições da Lei N° 13.869 de 5 de setembro de 2019, conhecida por 'Lei de Abuso de Autoridade', pois não expõe o (a) preso (a) em situação vexatória ou mediante violência ou grave ameaça. Inclusive, desde fevereiro de 2007, a Pasta proibiu a apresentação compulsória de presos de qualquer natureza a órgãos de mídia para que sejam fotografados ou filmados".
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e professor de Direito Penal e Criminologia, Marcus Amorim afirma que a lei é rigorosa em determinados aspectos e que, principalmente, neste início, haverá excesso de cautela e zelo, mas "ainda é prematuro dizer sobre algum impacto na rotina de trabalho dos promotores devido ao retorno gradual do recesso forense". Segundo ele, os servidores do Ministério Público já receberam comunicados extraoficiais alertando sobre a lei ter entrado em vigor.
Questionado se já foi aberto algum processo por algum crime de abuso de autoridade no Ceará e sobre a diretriz adotada pela Instituição, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) respondeu apenas que "os Tribunais de Justiça estaduais utilizam as Tabelas Processuais Unificadas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, por não existir filtro específico que indique esse tipo de assunto, não é possível a extração desses dados".
O advogado Matheus Braga acredita que as autoridades cearenses terão que mudar o comportamento em algumas ocasiões para se adaptar à nova lei, principalmente na divulgação de imagens de suspeitos presos. "Esse modus operandi do Estado, capitaneado pelos órgãos de Segurança Pública, deve sofrer mudança. A regra é manter a cautela na divulgação de nome e de imagem", destaca.